Seminário contou com a participação de Alberto Zorigian e Kenarik Boujikian
Em conjunto com outras entidades, a ASDPESP promoveu o seminário “Democratização do Sistema de Justiça”, realizado no último dia 25, em Santos. O evento contou com a participação de Alberto Zorigian, defensor público do Guarujá e coordenador da Defensoria Pública da Região de Santos e Kenarik Boujikian, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça de São Paulo e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
Representando a comissão organizadora do debate, o promotor de justiça e representante do Coletivo Transforma MP, Gustavo Costa abriu o evento lembrando que as instituições estão se afastando cada vez mais da sua vocação. “Nos causa preocupação e angústia porque nós estudamos, procuramos nos informar, prestar um bom serviço, mas estruturalmente as instituições são responsáveis pelo encarceramento em massa e pela matança daqueles que estão à margem da sociedade. Tudo praticado pelo estado, com a complacência do Judiciário, do Ministério Público e muitas vezes da Defensoria Pública”, apontou.
O que é democracia?
O primeiro palestrante da noite, Alberto Zorigian, convidou todos a refletirem sobre o que é a democracia. “Muito se fala em democracia, mas muito pouco sobre a democracia”, expôs. Para o defensor público, o termo democracia é um dos mais invocados, mas o debate sincero e aberto sobre a democracia em si é muito raro, restrito ao meio acadêmico e sem a participação das pessoas mais interessadas. “Antes de falarmos em democratização, devemos nos propor a uma atividade permanente, uma contínua reflexão sobre o que nós entendemos por democracia, como foi definida historicamente e qual a democracia que queremos construir”, defendeu.
O fato de vermos a democracia como algo ontológico que se encontra na natureza e não como produto de uma construção histórica dificulta a nossa percepção. Para o defensor, somos levados a crer que atingimos o ápice da evolução política e que os problemas que encontramos são na verdade de má gestão ou má fé dos governantes e não das formas democráticas postas. Para ele, não devemos aceitar esta ideia pré-concebida. “As formas democráticas são produtos culturais de uma determinada época, foram criadas por determinadas pessoas e para servir a um determinado propósito, não são neutras e nunca serão”, alegou. Questionar sempre é a sugestão para quem quer participar e ocupar seu lugar na democracia. Não podemos nos render à ideia de democracia que nos foi imposta, mais ligada ao material, ao acesso aos bens de consumo, mas que não torna as pessoas cidadãs e participes da gestão do estado.
Por fim, Zorigian defendeu que a democratização não virá apenas pelos atores do Sistema de Justiça. A democratização só será completa e global com a participação dos movimentos populares e organizações políticas.
O Estado Democrático de Direito
Kenarik Boujikian trouxe a visão de que, com raras exceções, a Justiça brasileira serve para tender a um determinado grupo social elitista. “Se vive em um Brasil de muito sangue e ossos espalhados pela terra, e se carrega até hoje a história da escravidão em todos os espaços, no Sistema de Justiça até os alvos preferenciais, os pobres”, afirmou. Ela usou como exemplo a presença de magistrados negros no Tribunal de Justiça paulista. O concurso em que participou da posse e que viu mais negros aprovados tinha 13 pessoas, após a adoção das cotas. Atualmente, os negros representam 4% dos juízes no estado todo. Porcentagem baixíssima se considerarmos que mais de 50% da população brasileira é negra.
Para a desembargadora, uma forma de resistência para a construção de um país mais democrático é o Estado Democrático de Direito, dispositivo permitido pela Constituição de 1988. A concretização depende de todos os poderes e um juiz só será democrático se encarar cada processo a partir da Constituição, dentro dos parâmetros éticos instituídos pós-reabertura política.
Para Kenarik, o Sistema de Justiça que temos é disfuncional e precisa ser repensado. “Quando se fala em Estado Democrático de Direito, há uma essencialidade de direitos civis, econômicos, sociais e fundamentais. É ali que está o projeto de Brasil e não o que está acontecendo hoje”, expôs apontando exemplos recentes de uso indevido de procedimentos legais que tendem à violação sistemática dos direitos sociais.
A democratização pela ótica dos trabalhadores e trabalhadoras da Defensoria Pública
Após o debate, as entidades organizadoras e convidadas puderam se manifestar. Representando a ASDPESP, nosso coordenador-geral, Brunno Gozzi, falou da democratização na perspectiva dos servidores e servidoras da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. “Os servidores e servidoras tiveram uma luta que é bem ilustrativa da questão da democracia no Sistema de Justiça. Nós tentamos uma cadeira no Conselho Superior da Defensoria assim como a associação dos defensores tem. Tentamos por meio de uma emenda a um Projeto de Lei Complementar”, afirmou, explicando aos presentes que embora a associação tenha conseguido a vitória no Legislativo o PLC foi barrado por inconstitucionalidade. “O que realmente me entristeceu foi a posição de alguns membros da Defensoria Pública, que no mérito que acharam que os servidores não mereciam uma cadeira no conselho”, desabafou. Brunno também falou sobre o processo de eleição do ouvidor da instituição. Embora o ouvidor seja eleito pela sociedade civil “há um gargalo” no final do processo da eleição que é a sabatina realizada pelo Conselho Superior. “É uma sabatina com um procedimento subjetivo, então a forma de escolha do ouvidor acaba sendo uma escolha do Conselho”.
O seminário ocorreu em parceria com a Associação de Base dos Trabalhadores do Judiciário do Estado de São Paulo (Assojubs), com o Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista (Sintrajus), com o Coletivo Transforma MP, com a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), com a Coordenação Nacional dos Trabalhadores da Justiça e com o Programa de Mestrado de Psicologia e Políticas Públicas da Unisantos.
A integra do evento está disponível no Facebook da Assojubs (acesse aqui).
Fotos: Camila Marques/Assojubs